sexta-feira, 29 de outubro de 2010

feijoada transmontana

em coimbra, universitário miserável só é também morto de fome se quiser. além de todos os produtos absurdamente baratos que você encontra nos supermercados, e do programa que te ensina a combiná-los inteligente e deliciosamente, a universidade oferece uma diversidade considerável de pratos a preços bem razoáveis: além dos bares que você encontra em todas as faculdades (o da letras sempre me lembra do da faculdade de economia da ufmg, em cardápio e preço), o complexo universitário possui – como eu acabei de verificar – 15 cantinas.

o que eles chamam de “cantina” por aqui é o nosso velho conhecido “bandejão”. minto: nosso, não, porque eu devo admitir que almocei no bandeco da ufmg apenas uma vez durante todo o meu curso, logo no meu primeiro mês de caloura. sempre tive uma preguiça absurda de atravessar meio campus debaixo do sol de meio-dia para comer uma refeição que, na única vez experimentada, parecia se avolumar cada vez mais quando já dentro do meu estômago.

mas, tendo que comer em euros, e nem sempre com paciência ou tempo para fazer as receitas que eu passo no caçarola (último merchandising, prometo!), ganhei bem mais disposição para conhecer o que as cantinas daqui tinham a oferecer.

e não me decepcionei! bom, não muito. a maioria delas oferece diariamente o prato social, que consiste em:

1 pão
+
uma tigela de sopa
+
um prato com uma das opções do dia (são duas ou três, geralmente)
+
uma garrafinha de água ou um copo de suco (de amarelo, igual ao do bandeco)
+
uma fruta, ou uma sobremesa (arroz doce ou leite creme.. recomendo ambos!)


o preço desse combinado é €2,40. por alguns cêntimos a mais, você pode trocar a sua água por um refrigerante, ou mesmo (sério!) uma cerveja, um vinho. também é possível variar nas sobremesas.

mas muitas das cantinas oferecem ainda outras opções para quem não aguenta comer a mesma coisa toda semana: na cantina amarela (que leva esse nome pela cor das mesas e cadeiras), há sempre uma ou duas opções de pratos vegetarianos, além de um quiosque que vende baguetes numa versão mais modesta do subway; na cantina azul (adivinhem...), fica também o “snack bar”, que serve os pratos mais elaborados e tradicionais da culinária portuguesa; no mesmo edifício da cantina azul, fica também a cantina de grelhados, em que você escolhe a carne que mais te apetece, e ela vem acompanhada de arroz, salada e batata frita; nunca estive na cantina do estádio municipal para saber se há lá algo de especial, mas sempre me dizem que a comida lá é mais gostosa.


e, por falar em arroz, devo dizer que a relação que desenvolvi com o arroz das cantinas da uc é um bocado estranha. os que me conhecem mais intimamente sabem que o arroz é o componente mais fundamental de todas as minhas refeições – chegando, por vezes, a ser o único. minha mãe pode confirmar isso com incontáveis histórias de situações em que ela se esmerou ao máximo para preparar algum saboroso e diferente prato para o almoço, e recebeu da minha parte comentários elogiosos apenas sobre o arroz.

o arroz da minha mãe sempre foi campeão: torrado e cozido na medida certa, branquinho, soltinho, com aquele gostinho especial de alho. e o arroz da minha mãe é o OPOSTO do arroz das cantinas da universidade, que consiste numa bolota levemente massuda de medida padrão e meio encardido, cozimento (a meu ver) incompleto e pouco tempero. o caso é que eu desenvolvi uma danada de uma relação de dependência com esse arroz da cantina! e nem adianta justificar que é conformismo diante da necessidade de ter o grão nas minhas refeições. isso porque, às vezes, eu consigo reproduzir em casa algumas cópias quase fiéis do arroz da mamãe, mas o como pensando no quanto o trocaria facilmente pelo das cantinas.

esse tipo de relação errada e doentia me fez estragar o almoço de ontem, persistindo no prato social de quinta-feira que vem acompanhado de arroz: a feijoada transmontana.

essa é a feijoada transmontana, tal como é servida nas cantinas:

foto do meu prato de ontem. não dá pra ver na foto, mas juro que o arroz é encardidinho!

eu me lembro da primeira vez em que a experimentei. estava na fila, esperando para ser servida, e acompanhada de vários brasileiros que, como eu, foram atraídos para lá pelo convidativo nome, que nos criava a expectativa de feijão preto, linguiça e paio. nos meus pensamentos mais ousados, eu ainda me permitia sonhar com uma farofa e com a imitação portuguesa bem digna da couve.

acho que vocês podem imaginar a cara de decepção de todos quando alcançamos um lugar em que já podíamos dar uma espiada no prato, que, no final, tinha uma inclinação muito maior para se passar por dobradinha. um dos garotos que estava comigo, nesse momento, aproveitou que estávamos na cantina amarela e decidiu que era uma boa hora de tentar ser vegetariano, fugindo rapidamente para outra fila. os outros e eu resolvemos encarar.

não rolou. pelo menos para o meu paladar, a feijoada transmontana é um erro, seja como feijoada, como dobradinha, ou como “feijão com tranqueiras”. mas o prato foi, pelo menos, a sensação daquele dia. ao fim do almoço, nos intervalos da aula, pelos corredores da ruc, eu ouvi pelo menos cinco vezes uma conversa bem semelhante:

_e aquela feijoada, hein?
_feijoada? com repolho? hahahahahaha, tá bom!
_não tinha carne, só gordura!
_faltava sal!
_feijão duro, po...
_e o que era aquele mato não identificado ali no meio?

percebi o quanto pegar um nome emprestado da cultura do alheio pode ofender seriamente esse alheio. penso que seria como oferecer ao português um bacalhau com natas feito com peroá e que levasse batatas doces no lugar das inglesas.

mas eis que, ontem, entre o bacalhau à gomes de sá, que só vinha acompanhado de salada, e do feijão usurpador que me prometia um montinho do duvidoso arroz que caiu nas minhas graças, acabei me forçando a acreditar que, dessa vez, por estar na cantina azul e não na amarela, poderia experimentar alguma melhora no prato.

nenhum sucesso. e já deu de feijoada transmontana pra mim. não importa o que digam, não como nem a da cantina do estádio.

domingo, 24 de outubro de 2010

coimbra songs

amália rodrigues cantou há um bocado de tempo atrás o que vocês provavelmente conheceram pela voz do roberto carlos:

coimbra das canções
coimbra que nos põe
os nossos corações à luz
coimbra dos doutores
pra nós os seus cantores
a fonte dos amores és tu.

mas o que os doutores de coimbra cantam? durante as serenatas, o bom e tradicional fado, claro. mas, no cotidiano universitário dessa cidade, o que se ouve sendo entoado nas ruas, nas festas, nos ônibus, e ao pé da janela da sala onde você está tentando se concentrar em entender o que o profesor diz são canções nada melancólicas, tampouco ligadas ao destino português.

isso não significa, no entanto, que elas também não sejam tradicionais! aliás, eu sou capaz de apostar que alguns jovens portugueses têm na ponta da língua todas as músicas que eu apresentarei, mas talvez encontrem alguma dificuldade em recitar por inteiro qualquer música da diva fadista acima citada.

não posso culpá-los por isso. a combinação de fatores que as compõe, incluindo a situação em que são cantadas, fazem com que elas grudem na sua cabeça com uma facilidade absurda. não demora muito para que você também fique à procura do momento certo para soltar uma delas.

muitas delas são constituídas de letras quase sempre pesadas – algumas sendo, inclusive, impublicáveis neste blog de respeito – associadas a melodias de músicas que todo mundo conhece. dos engenheiros, por exemplo, o que mais se ouve é uma versão de “yellow submarine” que seria vetada com muito mais força que a releitura de “i want to hold your hand” proposta pela rita lee foi.

algumas são como hinos para os cursos. outras são hinos para a faculdade inteira. e algumas são apenas um fundo para incentivar a bebedeira desenfreada, como as duas primeiras que apresento a seguir.

“mão direita é penalty...” e “bebe essa merda”

começo por uma que, pelo que já pude perceber, não foi criada aqui, e parece ser bem popular em todo o país.

lembro-me de alguém ter me contado que, aqui em portugal, não se pode beber vinho com a mão direita. não é apenas errado, mas ofensivo para o português. para ensinar isso aos que vêm de fora, criou-se uma perigosa lição: sempre que alguém flagra uma pessoa bebendo algo (e não precisa ser exatamente vinho... não aqui, pelo menos) com a mão direita, canta-se:

mão direita, mão direita
é penalty, é penalty, é penalty...

para os apressadinhos, a música começa lá pelos 36 segundos de vídeo



e a pessoa é obrigada a beber todo o conteúdo do copo de uma só vez. no brasil, essa situação certamente pediria um “vira, vira, vira, virooou!” enquanto a pessoa estivesse cumprindo sua penalidade.

em coimbra, o fundo musical para o momento é o refrão de “can’t take my eyes of you”. modificada, é claro, para

bebe essa merda, lá lá lá lá lá lá
bebe essa merda, lá lá lá lá lá lá...

o áudio do vídeo é MUITO ALTO! cuidado com os ouvidos!



“f-r-a-” (“éfe-érre-á”)

essa é tradicionalíssima! e tem história, que eu achei na wikipédia:

o grito académico português, ou F-R-A ("éfe-érre-á"), acrónimo de frente revolucionária académica, é um grito exuberante lançado pela comunidade académica portuguesa como saudação de honra ou mera manifestação de alegria.

criado originalmente na academia de coimbra como 'arma' de luta política, pensa-se que terá sido dito pela primeira vez pelos quintanistas de medicina, na noite de 26 de maio de 1938.

a música talvez já tenha sido esvaziada de seu sentido primeiro, mas continua igualmente empolgante! como eu só ouvia onomatopeias e interjeições esquisitas sempre que alguém puxava o f-r-a, acabei perguntando ontem para o murillo, que é caloiro, o que exatamente dizia a música. e, no fim das contas, a letra não está tão distante da minha impressão inicial. geralmente, ela é entoada em forma de pergunta-resposta entre um “puxador” e a malta (= turma, galera. faltou essa no meu nanodicionário, hein!):

_então malta, para
este nosso colega,
não vai nada,nada,nada,nada?

_tudo!

_mas mesmo nada,nada,nada,nada?

_tudo!

_então, com toda a cagança,
com toda a pujança
e do fundo do coração,
aqui vai um...F-R-A!

_Frá!

_F-R-E

_Fré!

_F-R-I

_Frí!

_F-R-O

_Fró!

_F-R-U

_Frú! Frá-fré-frí-fró-frú!
Áli-quá-li-quá-li-quá! (bis)
Chiribiribi -tá-tá-tá!(bis)
Hurra! Hurra! Hurra!



“coimbra é nossa”

essa é, definitivamente, a minha favorita! talvez porque me lembre os meus tempos de mineirão com o meu pai, cantando “é cruzeirô! é cruzeirô!”, já que a melodia é a mesma; ou talvez porque resuma o meu sentimento quanto à cidade de uma forma nada romântica, fato, mas bem fiel:

coimbra é nossa!
coimbra é nossa!
coimbra é nossa e há de ser...
coimbra é nossa e há de ser,
coimbra é nossa até morrer!



esse post é uma pequeniníssima amostra das coimbra songs que tenho aprendido diariamente. está aqui mais uma prova de que, em coimbra, ter uma divertida vida universitária é coisa séria.


quem fala português? - parte 2

eu tenho muito para contar sobre a latada, mas deixarei isso para a quinta-feira de cinzas coimbrã, quando já tiver visto e vivido de tudo, e tiver noção do tamanho do estrago que ela fará aos estudantes da universidade.

por isso, enquanto me recupero da madrugada de ontem e ainda considero a ideia de aproveitar a de hoje, sentei ao computador para falar de outra coisa.

o que acontece é que, ontem, enquanto eu praticamente cambaleava pela latada – e não, eu não acho isso bonito –, alguém me chamou no meio da confusão e começou o seguinte discurso veemente, mas risonho:

_ ei, eu sei onde fica belo horizonte, e eu vou te falar agora: é a capital de minas gerais! eu colori os mapas na 4ª série, e a minha família é de barbacena, que fica a duas horas da sua cidade!

quem dizia isso era a julia allevato. porque eu estava bastante alterada e ela parecia estar na mesma condição, eu a princípio não entendi nada do que era aquilo. até que eu me lembrei dela, e vocês certamente se lembrarão, também.

a julia foi a garota carioca que eu conheci no meu primeiro dia sozinha em coimbra, e sobre quem eu postei a seguinte mensagem no meu mural do facebook:

lembra da 4ª série, quando a gente fazia uns exercícios pra decorar os estados brasileiros e suas respectivas capitais?

pois eis que hoje me chega uma menina do rio e me pergunta: "de onde você é?". eu respondo "belo horizonte!" e ela devolve "onde fica essa cidade?".

qué dizê...

naquele mesmo dia, a julia acabou me achando entre os contatos da fê, viu a mensagem, e eu nem sei se ela pensou em me adicionar por lá, mas eu imagino que, se a vontade houve, ela passou no momento em que ela reconheceu ser a personagem do meu relato.

acontece que, na ocasião, ocorreu à julia o mesmo que me ocorreu quando eu conheci a fê, e o mesmo que me acontece diariamente no meu contato com os portugueses: não familiarizada ao meu belorizontinês de palavras pronunciadas pela metade, ela não conseguiu entender que “belzôntchi” era a capital do estado vizinho ao dela, conforme ela aprendeu na 4ª série e nunca mais esqueceu, assim como eu. e ao contrário de mim, que nessas situações sempre opto pela tática de apenas soltar um “huuuum!” e nunca saber o que realmente me disseram, a julia parece mais disposta a fazer um esforço extra para entender as pessoas.

eu nem preciso ressaltar que, visto que minas são muitíssimas, ter descendência barbacenense não necessariamente a deixa preparada para travar uma conversa comigo sem equívocos linguísticos, né?

junto com essa retratação – que eu prometi à julia ontem, mesmo ela dizendo não ser necessário –, vai também o reconhecimento de que passar toda a minha vida convivendo quase que exclusivamente com um só dialeto e cultura me tornaram um bocado intolerante para receber bem de cara outros sotaques e comportamentos. e me parece que eu talvez tenha me preparado bastante para entrar em contato com os estrangeiros, mas não estava realmente aberta para aproveitar o período em outro país para conhecer um pouco mais do meu. felizmente, parece que coimbra vai acabar me curando desse mal.

quem poderia imaginar que fazer intercâmbio numa cidade de interior acabaria me deixando, na verdade, menos provinciana?


(nota: logo que esse incidente com a julia ocorreu, o henrique me alertou para o fato de que ela podia simplesmente não ter me entendido. aposto que, se ele ler isso, vai vir tirar uma com a minha cara.
)

terça-feira, 19 de outubro de 2010

babelbabelbabel!


ESTREIA DO PROGRAMA "BABEL" NA RUC (Rádio Universidade Coimbra) AMANHÃ:

para meus queridos brazuquinhas - o programa vai ao ar a partir das 17h do nosso amado varonil e pode ser ouvido aqui: www.ruc.pt . mais: para os saudosos da era coleguiana, uma homenagem quanto à música escolhida para o meu bloco de culinária, que (se não me engano) é o último do programa.

para os meus queridos erasmus - 20h. 109,7 fm! podem tratar de ouvir, pá! e sem desculpa de que não tem rádio. primeiro, porque eu tenho certeza que rola de sintonizar com o telemóvel vodafone que tooodo mundo tem! segundo, se não rolar, ainda resta o site!

visto que gravamos o programa sem cortes, o que rendeu uns 20seg de "huuuum, éeeee, hãaaa..." meus, eu fiquei seriamente com medo de divulgar logo na primeira semana de cara, mas... ah, eu quero que vocês ouçam o resultado do trabalho mesmo assim! ;D

domingo, 17 de outubro de 2010

fernanda


“we are always running for the thrill of it, thrill of it
always pushing up the hill searching for the thrill of it…”



eu conheci a fê logo que experimentei minha primeira noitada coimbrã. embora a prioridade fosse a festa erasmus, ela estava dois bares abaixo, sentada na mesa de esquina do “café tropical”, cercada de vários já novos amigos, dos quais eu conhecia apenas a bella.

ela trajava jaqueta e blusa pretas, obviamente respeitando o dress code da festa em que ela – nem eu, naquele momento – não se fazia presente.

porque a cadeira ao lado dela era a única vazia, eu acabei me sentando por ali. rodeada por brasileiros que aparentavam ser interessantíssimos, eu acabei entrando na conversa, tentando socializar. e foi ela que respondeu prontamente às minhas primeiras intervenções na conversa, me despertando uma simpatia instantânea.

perguntei o nome dela. totalmente ereta na cadeira, sorrindo abertamente, ela respondeu prontamente, fornecendo nome e sobrenome. eu só consegui pegar o “fer...” inicial. ela falava absurdamente rápido, num sotaque carregadamente paulista com o qual eu não estava familiarizada e que, por isso, não conseguia captar de pronto.

mas ela me despertava tal empatia, que eu acabei por caçá-la no dia seguinte entre os contatos de facebook da bella, procurando todos que começassem pela letra “f”, e acabando por achar facilmente a garota bonita de óculos de armação quadrada e preta. fernanda trevisan, era esse o nome que eu não havia entendido na noite anterior.

não foi preciso mais que um próximo encontro para que eu decidisse que ela seria minha amiga. estávamos nós na praia fluvial, e ela mantinha o mesmo interesse em travar alguma conversa comigo. ouvia algumas das histórias portuguesas que eu conhecia e deixava transparecer sincero interesse em conhecê-las pela minha perspectiva.

de lá pra cá, passamos não só a trocar histórias do alheio, mas a nos confidenciar os capítulos mais íntimos das nossas. e, com as histórias, vieram as descobertas dos gostos musicais compartilhados, as risadas, a confiança, a identificação, e a necessidade estar por perto diariamente.

lembram-se de que eu disse que todo o contato que se estabelece em coimbra é extremamente intenso? pois eu experimento toda essa intensidade na companhia da fê. almoçamos juntas, assistimos a aulas juntas, vamos ao cinema juntas, farreamos juntas, laricamos juntas, ou ficamos a fazer nada juntas, e eu sinto como se fosse impossível me cansar dela.

escrevo isso agora, às 6 da manhã e após uma “balada toooop” (que é como ela definiria) em sua companhia. escrevo e posto aqui, porque sei nela uma das leitoras mais assíduas do “pra ver o mundo”, e porque quero que o meu mundo conheça uma das grandes responsáveis pelo meu imenso contentamento em viver por aqui.

boas vibrações. é só o que eu sinto na fê, mesmo quando ela acha que não as está emanando.

em um mês e meio de convivência, eu já colecionei cada trejeito, expressão e pensamento da fê na memória. ligo para ela com uma notícia chocante já à espera de um “aaaaah, vai, conta tuuuuudo!”; chego na faculdade às terças e quintas já à procura daquele sorriso largo que se estende até os olhos apertadinhos; sei exatamente quais comes e bebes comprar para atrai-la para a minha casa.

e, mais do que nunca, reforço a certeza em mim de que o bom da vida é, de fato, apaixonar-se pelos bons amigos que se reconhece pelos cantos desse mundo.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

quem fala português?

advertência: post plurilíngue. e o google translator dificilmente te ajudará aqui.

uma das coisas que se estuda à exaustão no primeiro período do curso de letras da ufmg é algo empiricamente óbvio até para uma criança que tem em sua classe um coleguinha que veio de outra cidade/estado/país: nenhuma língua é una em qualquer aspecto que analisemos dela. duas pessoas que possuem a mesma língua-materna, mas origens distintas, certamente também terão distintos jeitos de expressar a mesma coisa – e isso será evidenciado na formação de uma frase, na escolha dos palavras, ou na maneira de emiti-las.

eu sei disso, e você também – com a vantagem de que você talvez não tenha passado um semestre concluindo isso duas vezes por semana.

morando num país extremamente extenso, toda viagem de férias a outro estado sempre foi uma boa oportunidade de experimentar um pouco dessas diferenças. e como elas se faziam presentes na melodia das palavras do outro, ou em uma ou outra expressão antes desconhecida, sempre foi uma diversão à parte (e, confesso, um dos primeiros motivos que acabou me levando à fale).

vinte e um anos de poucos equívocos comunicacionais realmente indissolúveis acabaram por me fazer confiante quanto ao meu domínio da língua portuguesa. não só a mim, mas certamente àqueles que selecionaram a mim e aos meus colegas para o intercâmbio sem cobrar qualquer teste de proficiência lingüística.

mas o que acontece quando, ao entrar num avião da tap, você começa a torcer o nariz para o estranho inglês da aeromoça que passa as instruções de segurança, até perceber que ela está falando, na verdade, a mesma língua que você? e como continuar tão certo da sua capacidade de se comunicar em português quando se torna extremamente necessário que te repitam a mesma coisa pelo menos duas vezes até que você consiga captar a essência da mensagem? mais: o que fazer quando você tem a certeza absoluta de que entendeu perfeitamente cada palavra dita, mas não depreendeu sentido algum delas?

não acho piada nos finos, mas é bué da fixe quem os bebe com palhinhas. esta frase faz algum sentindo para você, leitor brasileiro do blog? pois aqui ela passaria em uma conversa sem qualquer cócega cognitiva, apesar d’eu não estar certa de quando ela seria pertinente.

bem antes de vir morar em coimbra, fui apresentada ao bruno aleixo, o ex-ewok-agora-cachorro mais famoso desta cidade, que passou a me divertir gradativamente, a cada replay que eu dava em seus vídeos, com o volume ajustado no máximo, tentando entender tudo o que estava sendo dito ali.



à medida que o número de replays necessários diminuía, comecei a achar que havia encontrado na animação um bom treinamento para eventuais dificuldades que pudesse encontrar para entender o sotaque português. não resultou em quase nada. acabei por descobrir que, comparada ao verdadeiro sotaque coimbrão, a dicção do menino bruno é como a adotada pelo william bonner ao apresentar o jornal nacional.

a sensação de que a sua relação com o português passou a “lê: bem / escreve: bem / fala: razoavelmente / compreende: pouco” pode ser bem desesperadora a princípio. semana passada, um outro erasmus brasileiro que havia acabado de chegar assistiu à sua primeira aula do meu lado com uma expressão de sincero pavor, nada condizente com o caso descontraído (e ininteligível pra ele) que a professora contava.

e eu não consigo me decidir o que mais dificulta a sua adaptação ao que é, teoricamente, apenas uma variante da sua língua-materna. porque, não bastasse a gama imensa de termos e expressões desconhecidas por nós, eles ainda falam rápido DEMAIS. tão rápido, que minha mãe, tão mineira e tão essônspassnasavass? (tecla sap para os não-mineiros: esse ônibus passa na savassi?) quanto eu, ouviu de um garçom português que nós brasileiros temos todos uma “fala descansada”.

mas os dias vão passando, e os equívocos linguísticos provam quase nunca serem danosos. e, com a exposição constante a uma versão mais chiada, introvertida e rrrrrebuscada da sua língua, a sua capacidade de decifrá-los acaba melhorando rapidamente – assim como o seu conformismo para, por vezes, apenas sorrir e concordar com algo que seria inútil tentar entender.

e eu já posso dizer que estou quase que integralmente de volta à situação de me divertir colecionando curiosidades linguísticas do português. tanto que, abaixo, disponibilizo uma lista dos termos e expressões que mais me apeteceram até agora – inclusive os que farão vocês traduzirem aquela frase lá do meio do post. ah! e as que estão destacadas são as que, vejam só!, eu já incorporei involuntariamente ao meu léxico:



obs: agora, apesar de tudo que já aprendi, ainda estou procurando insistentemente por alguém que me explique por que usar uma blusa com os dizeres “acalma o grelo, a queima vem aí!” não provoca estranhamento por aqui.

domingo, 10 de outubro de 2010

hogwarts e praxes

o veterano praxista mais famoso de coimbra

eu fui uma daquelas crianças que leu “harry potter e a pedra filosofal” aos dez anos e esperou durante meses por uma carta que me convidasse a estudar na escola de magia e bruxaria de hogwarts, acreditando sinceramente que isso poderia acontecer.

essa carta nunca chegou. ou talvez não tenha chegado até junho deste ano, quando recebi um envelope enviado daqui de coimbra, dizendo que eu poderia vir fazer o intercâmbio.

foi por causa dessa carta que vim estudar em meio a construções muitíssimo antigas e imponentes frequentadas por alunos trajando... capas? pois é. se você já foi (ou é, que mal há nisso?) fã de harry potter, deve saber que j.k. rowling começou a escrever a saga quando morava aqui em portugal. acho que posso arriscar palpites sobre de onde vieram algumas de suas inspirações.

brincadeiras à parte, eu posso não estar em uma escola de magia e bruxaria – e isso talvez se deva unicamente ao fato de que nunca entrei na faculdade de ciências farmacêuticas –, mas definitivamente não estou num ambiente universitário com o qual já estivesse familiarizada.

essas capas que os estudantes usam são, na verdade, parte do traje acadêmico, uma vestimenta tradicional em todo país. para os homens, calça preta e camisa branca sociais, colete, terno, gravata e capa. para as mulheres, a calça é substituída por uma saia, e estou quase certa de que não há o colete. cada universidade possui detalhes específicos no seu traje, mas o resultado final é bem parecido.

o traje acadêmico não é para todos. só podem usá-lo os que estão no último ano do curso – os nossos conhecidos veteranos, que aqui se autodenominam “doutores”. e há mais: o uso da roupa só é legitimado para aqueles que, em seu primeiro ano, se submeteram aos rituais de “praxe”.

de cara, eu traduzi “praxe” como “trote”. mas foi só os caloiros começarem a circular diariamente pela cidade portando um chapéu de burro e plaquinhas de identificação, que eu entendi que o buraco era bem mais embaixo. aqui em coimbra, não tem dessa de ser pintado ou sujado impiedosamente por algumas horas para depois ir pedir alguns trocados no sinal. pode até ter isso tudo, mas tem mais – muito mais – e durante meses. os que estão familiarizados com a vida universitária de ouro preto talvez não se assustem tanto com a praxe. mas, até para esses, eu ainda arrisco que essa prática tem proporções maiores que a adotada pelos estudantes da ufop.

desde o dia 20 de setembro, início das aulas para o 1º ano do 1º ciclo, eu já vi de tudo nesta cidade: pessoas fazendo infinitas flexões ao sol; grupos imensos de estudantes se amontoando dentro de um ônibus, uns em cima dos outros, e cantando versos recheados de palavrões; garotos subindo em tempo recorde os 125 degraus das escadas monumentais que dão acesso ao principal pólo da universidade; garotas almoçando com dizeres em suas camisas que indicavam a que “estrebaria” pertenciam; caloiro correndo pelado pela principal praça da cidade, à procura de suas roupas.

e tudo isso, que me pareceu extremamente inaceitável e humilhante, sendo feito sempre de bom grado por todos eles. você não vê desgosto nos rostos dos caloiros que estão passando por tudo isso. aliás, é bem provável que consiga flagrar sorrisos a estampar fiel empolgação. porque, como eu disse anteriormente, a tradição diz que só merecem usar os trajes acadêmicos aqueles que passam pela praxe, que fazem por merecer. você não é obrigado a ser praxado. mas, se resolver portar a capa dois anos depois, não será reconhecido como um dos doutores.

e o orgulho de portar tais vestes é tão grande, que os estudantes não restringem seu uso apenas às ocasiões acadêmicas: é muito comum que você os veja vestidos assim passeando pelo shopping, vendo um filme no cinema, ou até mesmo dançando numa boate.

considerando o fato de que os cursos aqui só duram três anos, o que faz com que eu seja provavelmente mais velha (e mais veterana) que grande parte dos veteranos, é claro que me recuso a referir-me a eles como “doutores”. a solução? um apelido carinhoso que meus amigos e eu adotamos logo que vimos os primeiros exemplares trajando capa por aí: para nós, eles são todos harry potters.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

sempre boas novas

essa na foto comigo é a helena! :)


semana que vem, completo dois meses longe do brasil. semana que vem, o hiato de notícias que surgiu por aqui também faria aniversário. já aceitando o fato de que a minha ideia inicial de relatar tudo o que tenho vivido neste blog foi para o ralo, não quero, porém, que deixe de constar cá um pouco do que tem sido minha vida portuguesa.

não menos que perfeita, eu diria, e com muita verdade. mas eu não saberia dizer o que mais a faz ser assim: as aulas, as pessoas, os eventos, a cidade... certeza de que é a reunião de tudo isso.

semana passada, enquanto bebíamos entre amigos, um deles, o vicente, soltou essa: “eu tô gostando de coimbra. mas, se tem alguém que goooosta de estar aqui, é a marcela”. e eu realmente acho que sou a maior entusiasta dessa jovem senhora de mais de mil anos que sabe tão bem me inspirar excessos. aqui, bebe-se muito, come-se muito, sai-se muito, dorme-se muito e (juro!) estuda-se muito, no meu caso.

eu estou cursando apenas três disciplinas: literatura brasileira 2, literatura portuguesa 2, e cultura portuguesa 1. e sinto-me cursando no mínimo seis. a carga de leitura é tanta, que eu tenho a ligeira impressão de que voltarei daqui com uma pilha de xerox quase tão grande quanto a que construí ao longo dos meus sete períodos na ufmg. e que não entendam essa declaração como reclamação! tenho gostado muito de todos os textos, e mais ainda de como eles são trabalhados em aula – principalmente nas duas disciplinas portuguesas, já que a brasileira só começou de fato esta semana. encanto-me com cada nova descoberta sobre a história e cultura desse país, e reapaixono-me por toda a literatura que já havia passado por mim no brasil, mas que sabe bem apresentar-se como nova a cada releitura.

em quatro semanas de aula, sinto finalmente o que andei buscando por quase quatro anos de curso: a sensação de que estou no lugar certo, fazendo o que realmente gosto. tenho agora planos e expectativas num curso pelo qual, já há bastante tempo, havia resolvido apenas passar sem extraordinários feitos.

e, como nada em coimbra é o bastante, também ando descobrindo uma nova paixão: radiodifusão. estou participando da produção de um programa que entrará na grade de horários da rádio da universidade, a “ruc”, daqui a mais ou menos duas semanas. isso graças ao douglas, que cedeu sua vaga para mim, achando que pudesse ter a ver comigo – e acertou em cheio! o nome do programa será “babel”, terá a duração de uma hora por semana, e tem como público alvo os intercambistas da universidade. nele, apresentaremos um pouco da cultura dos diversos países de onde vêm os estudantes que cá estão neste semestre, além de oferecer dicas úteis para que esse período seja aproveitado ao máximo. semana passada, passamos por um treinamento técnico e, a partir da terça, começamos discutir e produzir o material que será veiculado nos dois primeiros programas. estou responsável, a princípio, pelos blocos de gastronomia e agenda cultural. também estou produzindo uma matéria sobre a “latada”, festa universitária que acontecerá do dia 21 ao dia 27 deste mês. o resultado vocês poderão conferir aqui. detalhes sobre dia e hora, conto posteriormente!

quanto ao resto, posso dizer que nenhum dia aqui é igual ao outro, de modo que “rotina” e “tédio” são palavras que não andam saindo da minha boca, ou rondando meus pensamentos. inverto tudo, dançando loucamente durante a semana e fazendo do sábado o dia da preguiça. subverto tudo, cozinhando coisas elaboradas só para mim às 4 da manhã e fazendo faxina às 10 da noite.

não consigo me lembrar de um tempo em que fui tão plenamente feliz. estou seriamente gripada desde ontem e, ainda que eu esteja tossindo insuportavelmente e só consiga respirar com a ajuda de um descongestionante nasal, esse sentimento bom não sai de mim.

quero mais coimbra. muito mais. e esta cidade realmente parece muito apta a continuar alimentando minha insaciabilidade.