segunda-feira, 30 de agosto de 2010

ah, lisboa... ah, pessoa...

"e, se o escritório da rua dos douradores representa para mim a vida, este meu segundo andar, onde moro, na mesma rua dos douradores, representa para mim a arte. sim, a arte, que mora na mesma rua que a vida, porém num lugar diferente, a arte que alivia da vida sem aliviar de viver, que é tão monótona como a mesma vida, mas só em lugar diferente. sim, esta rua dos douradores compreende para mim todo o sentido das coisas, a solução de todos os enigmas, salvo o existirem enigmas, que é o que não pode ter solução."


"tudo me interessa e nada me prende. atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei. assim, muitas vezes, repito a alguém o que já lhe repeti, pergunto-lhe de novo aquilo a que ele já me respondeu; mas posso descrever, em quatro palavras fotográficas, o semblante muscular com que ele disse o que me não lembra, ou a inclinação de ouvir com os olhos com que recebeu a narrativa que me não recordava ter-lhe feito. sou dois, e ambos têm a distância - irmãos siameses que não estão pegados."

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

o pesadelo europeu

eu sempre adorei pombos de rua. não que os achasse criaturas bonitas, porque essa coloração cinza que quase se confunde com o asfalto não ajuda. mas, na escola em que estudei durante todo o meu ensino fundamental, os pombos encontravam-se aos montes pelo pátio, e eu adorava correr atrás deles e vê-los aprontar uma corridinha de início, depois levantarem vôo desabalados. notem que eu não disse que gostava de fazer isso “quando menina”. vergonhoso admitir que aproveitei desse passatempo até meados da minha adolescência.

enfim, o caso é que sempre adorei pombos. até conhecer os pombos europeus. os pombos europeus não aprontam corridinhas e levantam vôo quando você se põe no caminho deles. eles são os donos das praças e ruas mais largas, e quem deve sair de suas vistas é você. caso essa regra não seja obedecida, sabe o que acontece? elas levantam vôo e vão não na sua direção oposta, mas ao seu encontro, e a probabilidade de levar uma “pombada” na cara torna-se arriscadamente alta. eles são destemidos e arrogantes, além de se portarem como ladrõezinhos alados. comer em cafés abertos nas praças em que eles imperam é sempre arriscado: se você não vigia atentamente seu prato, eles acabam pousando dentro deles e se apossando da sua comida. vi esta cena anteontem, em coimbra.

quando estive em veneza, presenciei uma das cenas mais cômicas e bizarras da minha vida: pessoas colocavam pães nas palmas das mãos e as voltavam para cima com os braços abertos, para que os pombos pousassem ao longo de seus corpos e eles pudessem tirar fotos... divertidas? o problema é que eles nunca vinham em pares ou trios. vinham em montes descontrolados que acabavam atacando os pobres turistas, mais ou menos como aquela cena do final de “esqueceram de mim 2”, sabem?

eu odeio os pombos europeus. eu tenho medo de pombos europeus. e ontem cheguei aqui em porto, onde eles estão por toda parte, principalmente ao pé dos monumentos com os quais você mais quer tirar foto. resultado? fui eu tirar foto junto ao paço do conselho e sofri um atentado em forma de revoada. e eis a bonita foto que obtive:



seis longos meses convivendo com essas criaturazinhas impertinentes e amedrontadoras. desta vez escapei, mas tenho o forte sentimento de que acabarei levando uma pomba. é...

terça-feira, 24 de agosto de 2010

fátima

hoje, mamãe e eu fomos a fátima. havíamos combinado este passeio para ontem, mas ainda não sei mexer bem no celular modernoso que arrumei por aqui, de forma que o despertador não tocou, e perdemos o trem das dez, das onze... descoberto como fazer para acordar na hora certa, fomos nós em busca da estação de comboio, que não era nenhuma das duas que eu havia circulado no mapa, mas uma que havia quase fora da cidade, onde chegamos em cima da hora, mas ainda em tempo de pegar o comboio no horário desejado.

tanto esforço para uma furada! a estação da cidade fica, na verdade, a 24km desta! oi? fátima é, na verdade, um distrito de ourém, município que se tem que atravessar por inteiro para lá chegar. me pergunto, então, por que a estação não se chama estação de ourém, e não avisam isso aos turistas.

a nossa sorte foi que, pelo visto, não somos as únicas desavisadas que ali descem e ficam perdidas no meio do nada, e há táxis na saída da estação que, a um preço bem razoável, te deixam no centro de fátima. fomos no carro de um senhor já de idade mais avançada que pouco ouve, mas muito fala, muito interessado em nos mostrar os pontos importantes de ourém – que, no fim das contas, não tem muita coisa importante.

chegar ao santuário de fátima foi uma surpresa grande para a minha mãe, quase um susto! pensava ela que encontraria uma modesta capela erguida junto ao lugar em que nossa senhora apareceu aos três videntes durante seis meses (como meu post anterior já foi dedicado a uma história da cultura portuguesa, não vou contar outra hoje. se você não conhece esta, leia aqui). mas o lugar é o maior complexo arquitetônico da igreja católica em que eu já estive, e posso me arriscar a dizer que só perde para o vaticano.

se tem uma coisa que já vi na vida foi igreja. elas são bem numerosas em minas, e cá na europa não é diferente. construídas nas mais variadas épocas, mas em sua maioria datando de mais de dois séculos atrás, não faltam turistas com seus flashes – curiosamente permitidos aqui em boa parte delas – clicando todo os anjos, santos, órgãos e painéis exuberantes que se podem encontrar em quase todas.

quase todas, porque a basílica e as capelas que compõem o santuário de fátima não são assim. talvez por serem bem novas, impressionam pelo tamanho, mas são bastante simples em ornamentações, tanto por dentro quanto por fora.

e ali, naquelas igrejas que podem ser consideradas até simplórias, se comparadas a todas as outras, eu vi, pela primeira vez, poucos turistas e muitos devotos. são pessoas de toda parte do mundo, mas que ali não estão para apreciar bonitos entalhes ou pinceladas, mas para adorar os túmulos de jacinta, lúcia, francisco, e a imagem de nossa senhora do rosário.

dentro da basílica, muitos formam fila para chegar perto das lápides. do lado de fora, à direita, uma capela sem paredes reúne uma pequena multidão a rezar o terço, enquanto muitos atiram velas a grandes piras.

e, no centro do santuário, o que mais me prendeu a atenção durante todo o dia: pessoas de joelhos, atravessando a imensa extensão de uma ponta à outra, num ato de cumprimento de promessa, ou simplesmente penitência.

é de comover qualquer um. sente-se admiração, espanto, estranhamento, dor solidária, ou qualquer outro tipo de coisa, mas imune à cena é que não se passa.

fui batizada, fiz primeira comunhão, mas não freqüento a igreja desde então, e não me considero católica. sou das que entra nesses santuários seculares daqui à procura de monumentos que me encham os olhos, sem tocar de verdade na alma. mas hoje admirei muito a fé daqueles que ali estavam, de fato, em busca do mais legítimo culto ao que de verdade se adora.

eu ia até comentar sobre o quanto se lucra ao redor do santuário com a venda dos mais diversos artigos ditos religiosos, mas não ouso. o post de hoje é só uma nota de respeito.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

porque inês é morta



tu, só tu, puro amor, com força crua,
que os corações humanos tanto obriga,
deste causa à molesta morte sua,
como se fora pérfida inimiga.
se dizem, fero Amor, que a sede tua
nem com lágrimas tristes se mitiga,
é porque queres, áspero e tirano,
tuas aras banhar em sangue humano."
(camões - os lusíadas, canto III, 119)







inês de castro era a mais bela aia de dona constança de manuel, senhora do infante d. pedro de portugal. filha daqueles a quem o rei tinha em alta conta, nada lhe faltava em refinamento em ares de nobreza, a não ser um título que assim a legitimasse. não que tal fato tivesse contado a d. pedro, que logo se encontrou irremediavelmente encantado pela moça.

sendo impossível evitar que a paixão fosse consumada, toda corte logo pôs-se a comentar do infame adultério que comprometia gravemente as relações diplomáticas portuguesas com joão manuel de castela, pai de d. constaça. apoiado pelos irmãos de inês, que tampouco aprovavam o romance escandaloso, el rei, d. afonso IV logo arrumou de exilar a bela dama de companhia junto à fronteira castelhana, no castelo de albuquerque. de nada adiantou. inês e pedro, dizem os escritos, continuavam a corresponder-se e a alimentar o amor, mesmo que à distância.

nem bem correu um ano do afastamento de ambos, d. constaça veio a falecer no momento em que deu a luz ao futuro rei de portugal. então viúvo, pedro ordenou que inês regressasse e viesse morar consigo em sua casa. estava escancarado o escândalo que tanto se quis abafar, e inúteis eram as tentativas de d. afonso de tentar casar seu filho novamente com uma senhorita nobre, ao passo que herdeiros bastardos do amor de pedro e inês começavam a nascer.

confusões diplomáticas de ordem real começaram a estourar aos montes. corria o boato de que pedro e inês haviam se casado às escondidas.

farto de tantas tentativas de separar os amantes, d. afonso decide dar fim à vida de inês. para tal, aproveita uma excursão de caça promovida pelo filho e, na sua ausência, ordena que três homens a embosquem no paço de santa clara, onde inês vivia àquela altura.

o sangue de inês é derramado no mondego, fazendo nascer a fonte dos amores, onde até hoje crescem algas avermelhadas a lembrar o brutal assassinato.

d. pedro mal pode suportar a dor e a revolta pela armadilha tramada pelo próprio pai. tão logo se torna rei, vai em busca dos três carrascos de inês e, capturado dois, manda que lhes sejam arrancados os corações: um pelo peito, outro pelas costas. dona inês é condecorada como sua rainha eterna, mesmo depois de morta, à qual todos tiveram de prestar homenagens.

desde a morte do rei e até hoje, inês e pedro jazem em dois túmulos, um de frente ao outro, para que "possam olhar-se nos olhos quando despertarem no dia do juízo final".


eis a história, tal qual aprendi, daquela que foi rainha depois de morta.

domingo, 22 de agosto de 2010

pausa para o pipi

hoje vai um post pequeno, pra variar o tamanho dos textos que tenho escrito por aqui, mas não variar a fama que o domingo tem de ser um dia em que poucas coisas acontecem - o que não mudou muito por aqui.

a ressaca pela semana de procura de quartos e arrumação do finalmente achado foi tanta, que mamãe e eu não nos sentimos realmente dispostas a visitar a fonte dos amores hoje, último ponto turístico da minha lista de locais a ver antes de passar de turista a realmente moradora de coimbra. para que o dia não fosse um ócio completo, decidimos ir ao cinema do dolce vita - meu shopping vizinho - agora à noite.

por que este fato merece um post?

1) porque os ingressos são vendidos com lugares marcados;
2) porque o combo médio de pipoca e refrigerante é o suficiente para que duas pessoas se fartem de comer até o fim do filme, em vez de se deliciarem apenas durante o trailer;
3) e porque aqui as sessões possuem um intervalo de cerca de 5 minutos mais ou menos na metade do filme para que as pessoas possam ir ao banheiro!

e você achava que os portugueses não sabiam das coisas, hein... ;D


obs: ah! o filme era "cartas para julieta"! e eu penso que já saiu dos cinemas brasileiros há algum tempo, não? que bom que tive uma segunda chance de vê-lo!

sábado, 21 de agosto de 2010

“home is where the heart is”… and where you can live decently

desde o início dos meus preparativos para o intercâmbio, achei que arrumar um canto para morar aqui seria uma das partes mais fáceis. afinal, coimbra gira em torno da universidade, de modo que é de se esperar que não faltem oferta de moradias a estudantes. e, de fato, elas são muitas. só que nem sempre estão, de fato, hum... habitáveis.

durante três dias, dediquei quase todas as horas fora do hotel à procura por um quarto para menina que possuísse um banheiro privado. essa condição – fundamental, para mim – diminuiu bastante as minhas opções. mas também andei vendo alguns quartos com banheiros partilhados e posso dizer que não é apenas essa exigência que dificulta a coisas. eu, que não quis reservar nenhuma moradia enquanto ainda no brasil, apenas pela internet, constato agora que fiz uma sábia escolha. as possibilidades de se cair numa roubada grande são consideráveis: lugares muito sujos, quartos em sótão em que o teto não te permite ficar totalmente em pé, janelas minúsculos que apenas têm um propósito de trazer a mínima quantidade de ar fresco necessária para o recinto...

em coimbra, os proprietários dos quartos oferecidos quase nunca habitam o mesmo lugar. por isso, é sempre necessário ligar e agendar uma visita. nesses agendamentos e visitas, algumas situações merecem registro aqui:

caso 1: dona rosa - a velhinha mais fixe

“fixe”, aqui, é como se chama algo ou alguém legal, descolado. e é exatamente o que dona rosa é. sua pensão fica no largo da sé velha, ponto turístico famoso e bem perto do pólo I da universidade. ao lado da pensão, fica o bar também pertencente a ela, contendo as mais diversas bebidas, todas dispostas a derrubar os estudantes mais resistentes. dona rosa deve ter pra lá dos 70 anos. parece aquelas avós que mimam os netos até não poder mais. nada de incomum em sua imagem, a não ser o fato de que dona rosa tem uma tatuagem. sim, senhores! uma borboleta gravada no antebraço, a impressionar aqueles que, como eu, sempre pensam que tatuagem é algo que só se tem até os 40 anos (e eu me pergunto o que acharei de mim mesma quando for uma velhinha tatuada). mas dona rosa é tão fixe e tão popular por aqui, que já não tinha mais quartos disponíveis para me abrigar, de modo que o meu contato com essa fixe senhora será apenas pelas mesas do seu bar.

caso 2: google maps way of life

se explicasse em palavras, não ia ficar tão claro o quão absurda foi essa situação. então, resolvi ilustrar:

ligamos para esta moça, que mora na casa onde o quarto é oferecido, e dissemos a ela que estávamos na praça da república, assinalada em vermelho. a menina não queria dar-nos o endereço, disse que era mais fácil explicar como se chegava ao lugar. o lugar ficava neste ponto indicado em verde:

o caminho que ela nos mandou fazer – e que de fato fizemos, por não conhecermos nada ainda – foi este:

depois de muito andar, chegamos à tal rua, cheia de casas muito simpáticas, à exceção de uma muito antiga e descuidada, quase em ruínas. adivinhem qual era a casa da moça... minha mãe nem quis entrar.


caso 3: senhor... oi?

hoje, fomos conhecer o quarto oferecido pelo miguel, um senhor que parece ter aprendido o mínimo da dicção oral apenas porque se comunicar é uma convenção social necessária. não é que ele fale exatamente pouco, mas não se entende uma palavra! japoneses aprendendo a falar português se fariam entender melhor que este homem, para quem tivemos que ligar cerca de 5 vezes, nas quais revezávamos ao telefone minha mãe e eu, na esperança de captar expressões que nos levassem próximo ao lugar cujo endereço ele também insistia em não passar, acreditando ser mais fácil explicar-nos como chegar lá. de fato, era bem fácil, mas a dificuldade de comunicação fez com que ele tivesse que nos procurar até onde conseguimos chegar com o que entendemos.

um alívio quando alguém num carro azul marinho nos buzinou, acenando do lado oposto da esquina! atravessamos, prontas para entrarmos no carro e seguirmos até o apartamento, quando ele soltou: “podem seguir em frente mais 200 metros, que já avistarão o lugar”. arrancou o carro, e foi. oi? não era nem questão de cortesia. era também, mas muito mais de praticidade: afinal, não estávamos indo para o mesmo lugar?

só para constar: ao vivo, também não entendíamos muito das palavras dele. nada de culpar a telefonia portugesa....

caso 4: o MEU quarto!

quem combinou a visita comigo hoje foi a proprietária, dona olinda. mas, ao chegarmos no local combinado, estava lá também a sua filha, aldina, professora do curso de letras que já esteve em belo horizonte em 2000 para um congresso sobre guimarães rosa. tendo descoberto isso com cinco minutos de conversa e ainda a caminho do apartamento, eu já sabia que estava indo conhecer minha futura casa.
e, ao chegar no apartamento, a conversa com aldina nem precisou servir de argumento à minha decisão. um lugar espaçoso, com o jeitinho aconchegante que todo lar de verdade precisa ter. o quarto oferecido é grande, com uma bonita vista (localiza-se no quinto e último andar do prédio) e bons móveis.

aqui moram uma portguesa, uma brasileira e uma timorense. até agora, só conheci a portuguesa, margarida, um ano mais nova que eu, e uma graça de pessoa!

depois de três dias de bastante estresse e furadas, apresento a vocês a fachada do que será minha casa pelos próximos seis meses:


fica um pouco longe da universidade, mas há um ponto de ônibus logo em frente. estou a 5 minutos a pé do dolce vita, um shopping bem bacana que já me conquistou por possuir uma franquia do kfc na praça de alimentação (os vegetarianos e saudáveis que me desculpem, mas frango frito no balde é fundamental). também estou bem ao lado do estádio da cidade, onde o u2 fará dois shows agora em outubro, que eu certamente escutarei na íntegra do meu quartinho. alguém quer uma transmissão ao vivo? ;D

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

coimbra!


oito horas e alguns minutos de vôo, duas refeições razoáveis, 3 filmes sem os quais eu poderia viver e nem uma hora de sono, e eis que... estamos em uma fila gigante para imigração!

já estive em portugal há dois anos atrás, como disse anteriormente aqui, e não tive que me postar atrás de tantos candidatos à entrada no país na vez anterior. mas era uma fila até rápida (passei uns 40 minutos nela e juro que não acho de todo ruim), com pessoas de todos os tipos.

eu tenho um medo enorme de entrevistas de imigração. por mais que tenha em mãos todos os documentos que comprovem que não estou entrando no país alheio para praticar atividades ilegais, sempre vi e ouvi tantas histórias de pessoas como eu deportadas no fantástico, que avisto o guichê pelo qual terei de passar e já começo a suar frio. também não ajuda muito se algumas pessoas na sua frente começam a ser encaminhadas para as temidas salas especiais para quem não convence sobre as suas intenções de imigração.

mas, dessa vez, correu tudo mais que bem! um rapaz com um sorriso largo, que ao ouvir de mim que estava indo para coimbra fazer intercâmbio, respondeu com um “pois faz muito bem!”, e começou um papo sobre as atrações da cidade. sequer olhou para a cara da minha mãe, bastou que eu dissesse que ela me acompanharia nos primeiros dias, que o carimbo de entrada foi concedido no ato.
como as coisas não podem dar certo por inteiro, mamãe e eu esquecemos uma das malas na esteira, e passamos um mini sufoco para recuperá-la.

do aeroporto direto para a rodoviária. rodoviária MESMO. muito parecida com a de são joão del rei, pra quem já esteve lá. um pouco pior, talvez. mas foi a conta de tomarmos um lanche (chips com pepsi, porque nada preparado no local parecia muito confiável...) e apanharmos o “autocarro” para coimbra. posso dizer pouco da viagem que durou cerca de três horas, pois foi o primeiro momento desde o embarque em belo horizonte que consegui descansar bem.

chegando a outra rodoviária legítima, a primeira visão da minha nova cidade. e que visão! ao largo do rio mondego, duas épocas a conviverem harmoniosamente: em alguns pontos, as construções antigas da baixa se amontoando até o ponto mais alto, onde fica o principal pólo da universidade; em outros, as construções mais modernas e bem acabadas, pra não fazer feio diante de nenhuma cidade grande!

aliás, coimbra é uma cidade grande! desde segunda, tenho descoberto várias regiões extensas e diferentes entre si, e cheguei hoje até a indagar à minha mãe se a cidade não é maior que belo horizonte, ao que ela respondeu que não – mas eu ainda tenho cá minhas dúvidas!*

na parte baixa, tudo parece ter mais de 800 anos. construções lindas e cheias de histórias, muitas delas guardando a origem desse país. e, em meio a toda a história, está ela, no alto. a mais imponente, estendendo-se por várias ruas em prédios, museus, laboratórios, cantinas, bibliotecas. a universidade de coimbra é monstruosamente grande. sério! todo curso aqui lecionado merece muitos metros quadrados de atenção. nesta região de que falo é chamada de pólo I, e abriga cursos da área de saúde, das ciências exatas e biológicas (que eles chamam apenas de “ciências”), e ciências humanas. ainda há um pólo para os cursos de engenharia, e outro para os cursos das ciências econômicas, ambos localizados em regiões mais novas.

estudar aqui exige muita força de vontade e preparo físico. quando se pergunta a algum morador daqui como chegar à universidade, a resposta é sempre “vai subindo, sempre subindo”. e não é exagero. à procura de lugar para morar (pretendo escrever mais sobre essa saga quando ela finalmente estiver terminada), subi as ladeiras que levam à universidade pelo menos cinco vezes e hoje passei o dia com aquela dor de quem acabou de iniciar as atividades de musculação.

mas tudo vale a pena, e até o esforço físico exagerado para se locomover é curtido! tenho ao meu lado uma das melhores companhias (a outra seria papai, que faz falta o tempo todo!), e quase sempre estamos a rir das mais diversas situações – nos outros momentos, discutimos e nos estressamos por coisas geralmente banais.

a comida daqui é muito gostosa, coisa que não havia achado quando estive em lisboa! no primeiro dia, comemos um prato chamado “arroz de tamboril com gambas”, que é um arroz com consistência entre a canja e o risoto, com alguns pedaços de peixe, e camarões. ó ele aí:

peguei a foto na internet, mas o meu prato era bem parecido com este!

as pessoas também são muito simpáticas e solícitas. contrariando o estereótipo europeu, todos parecem estar sempre prontos para um bom papo, ou dispostos a te ajudar no que puderem.

no momento, a vida ainda ta um pouco difícil, porque achar um quarto nas condições que desejo parece quase impossível. tenho acordado cedo e voltado só ao fim da tarde (do que seria a nossa tarde, porque aqui agora são 7:38h e ainda está claríssimo).

mas já tenho a certeza de que tudo aqui será aproveitado ao máximo, e que será um prazer imenso morar em coimbra! :)

*acabei de olhar na Wikipédia: belo horizonte é pouca coisa maior que coimbra! ;D

domingo, 15 de agosto de 2010

15 de agosto: é hoje!

nada será como antes
(milton nascimento/ronaldo bastos)

eu já estou com o pé nessa estrada
qualquer dia a gente se vê
sei que nada será como antes amanhã

que notícias me dão dos amigos?
que notícias me dão de você?
sei que nada será como está, amanhã ou depois de amanhã
resistindo na boca da noite um gosto de sol

num domingo qualquer, qualquer hora
ventania em qualquer direção
sei que nada será como antes, amanhã

que notícias me dão dos amigos?
que notícias me dão de você?
sei que nada será como está, amanhã ou depois de amanhã
resistindo na boca da noite um gosto de sol

uma vibração que não sabe se dá no coração, no estômago, ou nos dois ao mesmo tempo. um misto de sensações que, normalmente adversas, se completam e se explicam: euforia, nostalgia, medo, alegria, ansiedade...

saudade já grande do que e de quem fica, mas um espírito muito livre para se abrir para o novo que muito promete.

enfim, chegou minha hora de andar e voar pra ver o mundo!
meu próximo post, escrevo da minha nova cidade.

até mais pra vocês! :)


quinta-feira, 12 de agosto de 2010

meu short listrado

tweet do dia 27 de julho: “quero arrumar minhas malas. tipo hoje. não é vontade de ir amanhã. é só ansiedade, mesmo...”

era bem verdade que eu já andava com vontade de ir separando e empacotando as minhas coisas. acho, aliás, que, desde esse dia, toda vez que encontrei algum amigo, comentei: “acho que vou começar a arrumar minhas malas amanhã”. mas, como uma procrastinadora legítima desde os tempos da segunda série, nem uma das maiores ansiedades que sinto já ter experimentado venceu o velho e caro hábito de deixar tudo para a última hora.

com a data da viagem se aproximando cada vez mais, eu comecei a considerar seriamente a possibilidade de só fazer minhas malas dia 14. mas eis que, esta noite, não me faltou apenas sono, mas também o que fazer, e eu resolvi abrir meu guarda-roupa e decidir que roupas levarei para viver em coimbra comigo.

você, companheiro procrastinador que me lê e me entende, há de concordar que o fato de não executar uma atividade não quer dizer que não dediquemos algum tempo a ruminar sobre ela. e, no meu caso, acho que já fiz as minhas malas em pensamentos pelo menos umas cinco vezes. e devo dizer que isso de nada me serviu hoje.

mês passado, achei este guia de itens básicos para uma mala de uma intercambista. o guia oferece dicas de uma mala para destinos quentes e outra para destinos frios. como ainda pegarei um mês de verão e só volto quase no fim do inverno, resolvi estudar as listas e fazer uma mescla das duas. o resultado? minha mala está a uma distância abismal dos conselhos dados pelo guia, com excesso de peças consideradas de pouca utilidade na rotina e falta de peças essenciais para o período de frio.

neste momento, tenho atrás de mim uma quantidade bem razoável de roupas e nenhuma idéia de por quanto tempo elas me serão úteis; muita variedade e cor em roupas tropicais e quase nenhuma criatividade em blusas quentinhas.

dentre todas essas peças, no entanto, tenho a certeza de que levo a que mais me faria falta no intercâmbio: um short listrado que a filha de um amigo do meu pai me deu quando eu tinha uns 14 anos e que, na época, já estava velho e gasto. hoje, ele é um pedaço surrado de pano desbotado e já costurado algumas vezes pela minha mãe e com uns dois ou três buraquinhos persistentes. a coisa é que esse bendito é a roupa mais confortável que eu tenho, e desde os meus 14 anos é minha roupa favorita de ficar em casa, só saindo do meu corpo para ir para a máquina de lavar, retornando logo em seguida.

já há algum tempo, minha mãe vem tentando me convencer a joga-lo fora, - porque nem para pano de chão o meu trapinho de vestir serve - coisa à qual venho resistindo bravamente. nas últimas semanas, o short andou meio sumido das minhas coisas e eu comecei a desconfiar seriamente de que o haviam levado de mim. hoje, noeentanto, durante o difícil exercício de tentar arrumar uma mala inteligentemente, ele apareceu entre algumas camisetas. decidi, então, que ele era O item básico da minha mala, e o que por ventura faltar quando eu estiver por lá, acabo dando um jeito.

na verdade, esse post é só porque eu tenho certeza de que, amanhã, quando a minha mãe acordar e for inspecionar o que eu escolhi, o short vai sofrer um severo veto. espero que essa pequena declaração de amor incondicional a convença de esse pequenino pedaço de pano é o pedaço de casa que levo pro outro lado do mundo.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

por que não "sacolar" na europa

ainda sobre comentários interessantes que surgem quando o papo sobre intercâmbio aparece, há pessoas que não desdenham o destino "portugal" porque lêem nele "europa". e aí, vem o comentário que acho bem engraçado: "que maravilha! vai poder comprar um monte de perfumes/ maquiagens/ roupas/ cds/ ipod/ câmera/ nootebook/ celular/ televisão/ geladeira/ cama bem baratos!".

acho esse comentário engraçado principalmente quando é o primeiro dito por alguém, porque as minhas motivações essenciais para viajar - seja para ouro preto ou para coimbra - são sempre da ordem sinestésica, de forma que meu dinheiro está primeiramente direcionado para as ocasiões em que eu tenha que pagar para ver, tocar ou comer algo que não me seria possível aqui em belo horizonte. claro que, satisfeitos tais desejos, as lojinhas de souvenirs, de artesanatos cada vez menos locais (e artesanais), ou mesmo roupas começam a ser bastante convidativas. no entanto, e talvez nem seja necessário dizer isso depois do último post, não estou indo para europa para um maravilhoso semestre de compras, mas em busca do mais delicioso período de experimentações e aquisições de ordem não material.

agora, o que definitivamente não é engraçado são aqueles que, não contentes em prever para mim uma falência pelo pecado do capital, começam a me pedir para aproveitar e comprar para eles as mais variadas coisas. e eu estava na dúvida se esse era um assunto pertinente para um post, mas decidi que merecia uma atenção quando meu tio pediu à minha mãe – que passará alguns dias comigo por lá – que lhe trouxesse um esfregão que ele usava quando morava no algarve, muito eficiente e barato, segundo ele. um esfregão!

rola um mito de que os produtos que podem ser adquiridos europa afora são muito mais baratos que aqui. mentirinha. às vezes eu pesquiso algumas coisas no amazon.com e, de fato, isso acontece nos estados unidos. mas não se repete na europa. o euro, neste momento, está cotado em 2 reais e 31 centavos. um frasco com 50ml do famoso chanel nº5, por exemplo, é vendido por cerca de 95 euros na frança. num site brasileiro, ele custa 247 reais. multiplique o valor francês por r$2,31. você ainda acha que faria um senhor negócio da china?

eu caí nessa quando estive em londres: comprei dois cds por £4,95, achando uma pechincha incrível. só que, como a moeda estava cotada em mais de 4 reais, foi como comprar dois cds em qualquer loja daqui. as coisas podem ser mais baratas se você ganha o seu salário em euros/libras. agora, se os valores do seu extrato vêm computados em r+cifrão, esqueça.

além disso, em valores absolutos (tirando-se o valor da moeda e considerando apenas o número na etiqueta), a maioria das coisas costuma ter mais ou menos o mesmo preço daqui, o que, para nós, as torna, na verdade, mais caras – como os sapatos mais legais, que não são vendidos por menos de 90 euros.

comparações de valores à parte, sempre achei de uma cara de pau e de um relaxamento sem tamanho pedir que as pessoas vão atrás dos seus sonhos de consumo enquanto elas poderiam passear. acho que a aceitação de um pedido de “encomenda” é proporcional ao seu grau de proximidade da pessoa e à pertinência do seu pedido. ou seja: se você for a minha mãe ou o meu pai, é ok pedir qualquer coisa. se você quer muito algo que dificilmente encontraria no brasil (como o berimbau de boca, um curioso instrumento que uma amiga minha encomendou a conhecidos que estiveram pelo velho mundo há um tempo atrás ), é ok, também – exceto se você quiser um esfregão.

portanto, você que vai à europa, evite aceitar esses pedidos. se te constrange muito a negação categórica deles (acredite, eu não tenho coragem de falar a metade do que acabei de escrever aqui com quem me encomenda algo), apenas sorria amarelo e minta que já aceitou muitos pedidos e que tem medo de ser barrado na alfândega. não só é eficaz, mas também real: ter toda a sua mala aberta, questionada e taxada por um policial não é nada agradável.

e você que conhece alguém que vai à europa por esse tempos, evite a embaraçosa situação da pergunta “aaaah, será que você pode trazer x pra mim?”. as possibilidades de, nesse caso, você acabar recebendo uma recordação de bons momentos de alguém sem nada ter pedido serão muito maiores. :)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

portugal? sério?

palácio da pena - sintra. fonte: http://www.pecadodosanjos.com.br

vocês conhecem uma expressão que mistura desapontamento, estranhamento e desprezo ao mesmo tempo? pois eu lido com ela já há um bocado de tempo, e parece que estou fadada a encará-la para sempre em função das escolhas que mais me são caras.

as situações são muitas. começando nas conversas sobre faculdade...

_ onde você estuda?
_ na ufmg.
_ que bacana! faz o quê?

_ letras!
_ ah...

... passando pelo papo sobre talentos artísticos...

_ eu estudo música, também. lá no palácio das artes.
_ sério? uau! você canta?

_ não, eu toco.
_ é??? o quê?
_ oboé!
_ ah...

... e, agora, também incluindo o intercâmbio.

_ então, tô indo fazer intercâmbio daqui a algum tempo!
_ geeeente, que tudo! vai pra onde?
_ portugal!

_ ah...

e exsitem aqueles que não se contentam com esse significativo e multifuncional "ah..." e acrescentam a ele comentários interessantíssimos:

_ mas você sempre foi tão bem na escola! podia ter feito qualquer curso! por que letras?
_ mas você tem uma cara de cantora! por que você não canta?
_ mas você fala inglês! por que não vai pros estados unidos? ou pra qualquer outro país? tem tanto lugar mais legal na europa...

embora eu tenha uma resposta muito certa e despreocupada para cada um desses questionamentos, hoje quero falar apenas do último. pra muitos, portugal não é uma escolha de destino inusitada ou interessante, apenas fácil e desinteressante: a língua falada é a mesma (que fique bem claro que eu discordo fortemente disso e tentarei provar o contrário empiricamente nos próximos meses), o país não recebe divulgação ampla de suas realizações acadêmicas, e para muitos nem é parte do que se pode chamar de "A europa". são todos esses pensamentos que eu consigo identificar naqueles que me encaram com aquela expressão que eu citei aqui no começo.
das primeiras vezes em que me deparei com essa situação, fiquei realmente brava e, mesmo fazendo força para sempre responder educadamente, a minha vontade era de dizer: "ESCUTA AQUI, EU TIVE MUITO MÉRITO EM CONSEGUIR ESSA VAGA E VOU ESTUDAR NUMA UNIVERSIDADE MUITO IMPORTANTE, OUVIU?"
mas aí, eu acabei me dando conta de que essa minha reação era uma injustiça, porque eu mesma pensei assim por quase toda a minha vida!

até pouco mais de dois anos atrás, eu era do tipo que mudava de canal quando algum programa exibia matérias sobre turismo português, bocejava à simples menção de camões e não entendia por que as pessoas iam passar as férias em lisboa, quando elas estavam tão perto de londres, paris, ou roma.

foi com esse comportamento que, no meu terceiro período da faculdade, me vi obrigada a cursar a disciplina de literatura portuguesa. a situação não podia ser menos favorável: a matéria seria lecionada na sexta-feira, das 7:30 às 11h da manhã, com um mínimo intervalo de 20 minutos na metade dessas que prometiam ser as mais torturantes horas da semana.

acontece que a até então desconhecida literatura portuguesa não precisou de mais que dois encontros para me pegar de jeito. o interesse já estava desperto nas primeiras leituras de trechos do “cancioneiro geral” e toda e qualquer trova em português ainda “acastelhanado” parecia merecer uma leitura.

e, seguindo-se ao trovadorismo, veio o camões. lido e interpretado de tal forma que transformou facilmente o bocejo em nó na garganta. até hoje, poucas coisas me emocionaram tanto quanto o “episódio de dona inês de castro” em “os lusíadas”.

literatura portuguesa passou a tomar conta não só das minhas manhãs de sexta, mas de todas as tardes livres do primeiro semestre em que eu coloquei os pés na biblioteca central e resolvi virar uma freqüentadora assídua, sempre acompanhada do “história da literatura portuguesa”, também conhecido como “saraivão” – apelido carinhoso que associa o nome do autor, antônio josé saraiva, ao fato de que o livro possui nada menos que 1216 páginas.

eis que eu estava imersa numa literatura que em tudo remetia às suas origens, ao seu povo e ao sentimento desse, de modo que era inevitável que, além de estar apaixonada pelos escritos portugueses, eu já estivesse também arrebatada pela cultura e pelas paisagens lusitanas. seis meses depois, já estava em lisboa não desejando estar em nenhum outro lugar do mundo.

leio repetida vezes os mesmos trechos de fernando pessoa, herberto helder, vergílio ferreira, e cada novo contato é um novo arrepio.

vejo fotos de coimbra, sintra, évora, e, ao mesmo tempo em que o meu coração se contrai em excitação, os meus olhos se emocionam com a paisagem que os enche.

penso nos pastéis de belém e me vem à memória de um cheiro capaz de me fazer salivar.

tudo em portugal me aguça absurdamente os sentidos, assim como a poesia de cesário verde, e me faz querer estar finalmente inserida fisicamente no que já toma conta de grande parte do meu imaginário.

não sei se toda essa história satisfaz aqueles que ainda não compreendem meu destino de intercâmbio e não compartilham da minha euforia. aliás, pode ser que nem aqueles que já tenham tido contato com toda a literatura que eu citei aqui entendam.

paixão às vezes se explica, sim. complicado mesmo é que entendam.