domingo, 10 de outubro de 2010

hogwarts e praxes

o veterano praxista mais famoso de coimbra

eu fui uma daquelas crianças que leu “harry potter e a pedra filosofal” aos dez anos e esperou durante meses por uma carta que me convidasse a estudar na escola de magia e bruxaria de hogwarts, acreditando sinceramente que isso poderia acontecer.

essa carta nunca chegou. ou talvez não tenha chegado até junho deste ano, quando recebi um envelope enviado daqui de coimbra, dizendo que eu poderia vir fazer o intercâmbio.

foi por causa dessa carta que vim estudar em meio a construções muitíssimo antigas e imponentes frequentadas por alunos trajando... capas? pois é. se você já foi (ou é, que mal há nisso?) fã de harry potter, deve saber que j.k. rowling começou a escrever a saga quando morava aqui em portugal. acho que posso arriscar palpites sobre de onde vieram algumas de suas inspirações.

brincadeiras à parte, eu posso não estar em uma escola de magia e bruxaria – e isso talvez se deva unicamente ao fato de que nunca entrei na faculdade de ciências farmacêuticas –, mas definitivamente não estou num ambiente universitário com o qual já estivesse familiarizada.

essas capas que os estudantes usam são, na verdade, parte do traje acadêmico, uma vestimenta tradicional em todo país. para os homens, calça preta e camisa branca sociais, colete, terno, gravata e capa. para as mulheres, a calça é substituída por uma saia, e estou quase certa de que não há o colete. cada universidade possui detalhes específicos no seu traje, mas o resultado final é bem parecido.

o traje acadêmico não é para todos. só podem usá-lo os que estão no último ano do curso – os nossos conhecidos veteranos, que aqui se autodenominam “doutores”. e há mais: o uso da roupa só é legitimado para aqueles que, em seu primeiro ano, se submeteram aos rituais de “praxe”.

de cara, eu traduzi “praxe” como “trote”. mas foi só os caloiros começarem a circular diariamente pela cidade portando um chapéu de burro e plaquinhas de identificação, que eu entendi que o buraco era bem mais embaixo. aqui em coimbra, não tem dessa de ser pintado ou sujado impiedosamente por algumas horas para depois ir pedir alguns trocados no sinal. pode até ter isso tudo, mas tem mais – muito mais – e durante meses. os que estão familiarizados com a vida universitária de ouro preto talvez não se assustem tanto com a praxe. mas, até para esses, eu ainda arrisco que essa prática tem proporções maiores que a adotada pelos estudantes da ufop.

desde o dia 20 de setembro, início das aulas para o 1º ano do 1º ciclo, eu já vi de tudo nesta cidade: pessoas fazendo infinitas flexões ao sol; grupos imensos de estudantes se amontoando dentro de um ônibus, uns em cima dos outros, e cantando versos recheados de palavrões; garotos subindo em tempo recorde os 125 degraus das escadas monumentais que dão acesso ao principal pólo da universidade; garotas almoçando com dizeres em suas camisas que indicavam a que “estrebaria” pertenciam; caloiro correndo pelado pela principal praça da cidade, à procura de suas roupas.

e tudo isso, que me pareceu extremamente inaceitável e humilhante, sendo feito sempre de bom grado por todos eles. você não vê desgosto nos rostos dos caloiros que estão passando por tudo isso. aliás, é bem provável que consiga flagrar sorrisos a estampar fiel empolgação. porque, como eu disse anteriormente, a tradição diz que só merecem usar os trajes acadêmicos aqueles que passam pela praxe, que fazem por merecer. você não é obrigado a ser praxado. mas, se resolver portar a capa dois anos depois, não será reconhecido como um dos doutores.

e o orgulho de portar tais vestes é tão grande, que os estudantes não restringem seu uso apenas às ocasiões acadêmicas: é muito comum que você os veja vestidos assim passeando pelo shopping, vendo um filme no cinema, ou até mesmo dançando numa boate.

considerando o fato de que os cursos aqui só duram três anos, o que faz com que eu seja provavelmente mais velha (e mais veterana) que grande parte dos veteranos, é claro que me recuso a referir-me a eles como “doutores”. a solução? um apelido carinhoso que meus amigos e eu adotamos logo que vimos os primeiros exemplares trajando capa por aí: para nós, eles são todos harry potters.

3 comentários:

  1. tira foto dos harry potters pra gente ver! apesar de ter achado bizarra a submissão dos caloiros e muito exagerado o louvor à capa, adoreeei imaginar você em hogwarts. hahaha! era meu sonho, também.

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  2. Falou e disse. Num é que é exatamente assim? Amei o texto Mineirinha =)

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