segunda-feira, 2 de agosto de 2010

portugal? sério?

palácio da pena - sintra. fonte: http://www.pecadodosanjos.com.br

vocês conhecem uma expressão que mistura desapontamento, estranhamento e desprezo ao mesmo tempo? pois eu lido com ela já há um bocado de tempo, e parece que estou fadada a encará-la para sempre em função das escolhas que mais me são caras.

as situações são muitas. começando nas conversas sobre faculdade...

_ onde você estuda?
_ na ufmg.
_ que bacana! faz o quê?

_ letras!
_ ah...

... passando pelo papo sobre talentos artísticos...

_ eu estudo música, também. lá no palácio das artes.
_ sério? uau! você canta?

_ não, eu toco.
_ é??? o quê?
_ oboé!
_ ah...

... e, agora, também incluindo o intercâmbio.

_ então, tô indo fazer intercâmbio daqui a algum tempo!
_ geeeente, que tudo! vai pra onde?
_ portugal!

_ ah...

e exsitem aqueles que não se contentam com esse significativo e multifuncional "ah..." e acrescentam a ele comentários interessantíssimos:

_ mas você sempre foi tão bem na escola! podia ter feito qualquer curso! por que letras?
_ mas você tem uma cara de cantora! por que você não canta?
_ mas você fala inglês! por que não vai pros estados unidos? ou pra qualquer outro país? tem tanto lugar mais legal na europa...

embora eu tenha uma resposta muito certa e despreocupada para cada um desses questionamentos, hoje quero falar apenas do último. pra muitos, portugal não é uma escolha de destino inusitada ou interessante, apenas fácil e desinteressante: a língua falada é a mesma (que fique bem claro que eu discordo fortemente disso e tentarei provar o contrário empiricamente nos próximos meses), o país não recebe divulgação ampla de suas realizações acadêmicas, e para muitos nem é parte do que se pode chamar de "A europa". são todos esses pensamentos que eu consigo identificar naqueles que me encaram com aquela expressão que eu citei aqui no começo.
das primeiras vezes em que me deparei com essa situação, fiquei realmente brava e, mesmo fazendo força para sempre responder educadamente, a minha vontade era de dizer: "ESCUTA AQUI, EU TIVE MUITO MÉRITO EM CONSEGUIR ESSA VAGA E VOU ESTUDAR NUMA UNIVERSIDADE MUITO IMPORTANTE, OUVIU?"
mas aí, eu acabei me dando conta de que essa minha reação era uma injustiça, porque eu mesma pensei assim por quase toda a minha vida!

até pouco mais de dois anos atrás, eu era do tipo que mudava de canal quando algum programa exibia matérias sobre turismo português, bocejava à simples menção de camões e não entendia por que as pessoas iam passar as férias em lisboa, quando elas estavam tão perto de londres, paris, ou roma.

foi com esse comportamento que, no meu terceiro período da faculdade, me vi obrigada a cursar a disciplina de literatura portuguesa. a situação não podia ser menos favorável: a matéria seria lecionada na sexta-feira, das 7:30 às 11h da manhã, com um mínimo intervalo de 20 minutos na metade dessas que prometiam ser as mais torturantes horas da semana.

acontece que a até então desconhecida literatura portuguesa não precisou de mais que dois encontros para me pegar de jeito. o interesse já estava desperto nas primeiras leituras de trechos do “cancioneiro geral” e toda e qualquer trova em português ainda “acastelhanado” parecia merecer uma leitura.

e, seguindo-se ao trovadorismo, veio o camões. lido e interpretado de tal forma que transformou facilmente o bocejo em nó na garganta. até hoje, poucas coisas me emocionaram tanto quanto o “episódio de dona inês de castro” em “os lusíadas”.

literatura portuguesa passou a tomar conta não só das minhas manhãs de sexta, mas de todas as tardes livres do primeiro semestre em que eu coloquei os pés na biblioteca central e resolvi virar uma freqüentadora assídua, sempre acompanhada do “história da literatura portuguesa”, também conhecido como “saraivão” – apelido carinhoso que associa o nome do autor, antônio josé saraiva, ao fato de que o livro possui nada menos que 1216 páginas.

eis que eu estava imersa numa literatura que em tudo remetia às suas origens, ao seu povo e ao sentimento desse, de modo que era inevitável que, além de estar apaixonada pelos escritos portugueses, eu já estivesse também arrebatada pela cultura e pelas paisagens lusitanas. seis meses depois, já estava em lisboa não desejando estar em nenhum outro lugar do mundo.

leio repetida vezes os mesmos trechos de fernando pessoa, herberto helder, vergílio ferreira, e cada novo contato é um novo arrepio.

vejo fotos de coimbra, sintra, évora, e, ao mesmo tempo em que o meu coração se contrai em excitação, os meus olhos se emocionam com a paisagem que os enche.

penso nos pastéis de belém e me vem à memória de um cheiro capaz de me fazer salivar.

tudo em portugal me aguça absurdamente os sentidos, assim como a poesia de cesário verde, e me faz querer estar finalmente inserida fisicamente no que já toma conta de grande parte do meu imaginário.

não sei se toda essa história satisfaz aqueles que ainda não compreendem meu destino de intercâmbio e não compartilham da minha euforia. aliás, pode ser que nem aqueles que já tenham tido contato com toda a literatura que eu citei aqui entendam.

paixão às vezes se explica, sim. complicado mesmo é que entendam.

3 comentários:

  1. que delicia ter um cantinho pra ter noticia sua!!! (ainda nao li o post, jaja vou ler, me empolguei!)

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  2. vai soar repetitivo eu vir aqui de novo dizer mais uma vez que sinto o mesmo desde que comecei a cursar letras? e, agora, é você apaixonada por portugal e eu pelo acre da alemanha! bom, pelo menos conseguimos nos apaixonar. e quem não consegue?

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  3. O bom disso tudo que você está relatando aqui é sua liberdade de escolha apoiada sempre pelos seus pais! Saiba que temos muito orgulho de suas escolhas e do seu sucesso e a opinião "do outro" só interessa mesmo se for pra "somar"!Lembre-se sempre disso!TA/Mam's!

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